Notícias crepusculares
Márcio, caríssimo,
Como invejo a sua disponibilidade de escrever para os outros e sua coragem de enviar para todos os seus amigos a mesma notícia. É um modo bonito de ser, o seu, sabe? Claro que deve ter gente que deve te achar um tonto, mas tonta é a bronca metonímica do Big Brother que essa gente "intelectual" tem de toda espécie de exposição de si. Estou cansada desse papo de que tudo "já era": que os autores só sabem narrar em primeira pessoa, que a literatura só sabe ser confessional, que, enfim, "todo mundo só faz tudo errado e que eu, mais um inconformado com a atualidade e dono das teses do correto: eu, eu? bem, o eu... oras! o eu é uma vulgaridade." Pois bem, vamos para a próxima estação: afinal, é possível falar de si sem ser vulgar e sem pretender a imortalidade (?) autoral. Busco meus alívios: preciso saber que é só mais uma escolha temporária. Além do que uma história precisa de um personagem. E também se fala sobre si quando se evita fazê-lo.
Claro, me justifico, porque estou retomando como possível falar sobre mim, perdoem-me os injustos. Tudo isso porque passei, quer dizer, estou saindo de uma fase (podia ser que nem o Mário Bros., né?) de absoluta impotência, mesclada com uma larga paranóia. Não sei ainda como começou, nem sei exatamente como é, mas interpreto com duas palavras terríveis: esgotamento e controle. Falando assim, parece cronograma corporativo: esgotamento de possibilidades de representação e interpretação de mim no presente, para assim, obter controle de mim, quero dizer, do que os outros pensam de mim, quero dizer, do que eu penso que os outros pensam de mim, quero dizer, do que eu sei que eles não pensam sobre mim, quero dizer, eles sabem de tudo, afvee! farta de semi-deuses em mim, cara, farta. E eu bem sei que a paranóia é, na verdade, algo que eu já sei, mas ainda não está completo de sentido, e, por isso, minha pesada cabeça cansada detalha como juízo de outro. Se você soubesse o quanto dialogo sozinha... É terrível, mas não será mais. Tudo eu, cara, tudo eu.: mas você sabe bem como é isso, girar em torno do seu próprio vazio, virar seu próprio estômago: dá um puta tédio só orbitar em você mesmo e sair dessa inércia dá uma preguiça...
Será que você quis me agradar quando citou justamente o poema que o Drummond escreveu "com o pensamento" em Ana C.? Ele, meu tudo. E você se lembra, claro, que meu blog antigo tinha o nome do livro dela. Você lembra também como eu gostava de me detalhar? Quem diria que isso voltaria a ser a minha saída... Ela foi fundamental nos meus últimos anos de Colégio, como uma amiga mesmo, alguém que me dizia tudo o que eu era, tudo o que eu sentia, tudo o que não me diziam. Depois andamos brigadas e ressentidas. Hoje tenho um certo medo do meu inevitável reconhecimento nela: sabe, não quero me suicidar, nunca: gosto de viver, pacas. O "A teus pés" é o único livro com o qual (até hoje, confesso) tenho uma relação de diário: escrevo ao lado dos poemas as datas em que o escrito ali faz mais sentido do que nunca, componho por cima, marco que chorei ou ri. Mas olha só, é tudo mentira, sou uma mulher séria & crítica, tá, não trataria nunca a literatura de maneira tão menininha vulgar! haha
Gostei muito também do que você disse, que sempre foi mais jornalista do que escritor. Eu não sou nem deles, nem daqueles, mas foi ótimo, porque me fez entender melhor você e também os jornalistas. Eu não, não tenho apego nenhum aos fatos dos jornais e tenho a sincera impressão de que eles ontem contaram a mesma notícia de hoje. A impressão aumenta quando as notícias são políticas ou econômicas, é tudo tão sujo! Sei que essas coisas têm um puta impacto em qualquer vida cotidiana, mas parece que eu desinvesti de vez, fazendo jus a mais uma injustiça que diriam da minha (?) geração (?).
Não sei como vai ser para você receber notícias minhas de repente. Eu acharia uma delícia. Estou achando escrevê-las: obrigada. É ótimo, afinal, nós nunca fomos amigos, dá tanta liberdade! Aliás, aquela sua carta, é linda, linda a idéia de que uma carta é necessária porque as coisas precisam ser abandonadas. Além do que... sabe, agora mesmo, estava no Pão de Açúcar comprando batata-palha, nutela, arroz, tomate e coca-cola (estou aprendendo que minha lista de supermercado não precisa ser nem de uma velha séria nem de uma adolescente transgênica) ... e, enfim, fiquei es-pan-ta-da e em pâ-ni-co de como estou parecendo uma pau-lis-ta-na e, pior, de Pinheiros!: meu, a mulherada aqui é articulada com olheiras, orgulhosa pelo uso do cachecol e daquela pele cinza, aquela cara de "ai, eu penso, tá, sofro, tá, licença, tá" e uma expressão que sempre pede desculpas, mas sem perder o ressentimento... Também por essas adoro receber notícias de um amigo em Niterói!
Queria te dizer mais, mas está suficiente e minha amiga que mora no 51 chegou. Mas me escreva, que eu estou voltando a confiar nas palavras. Parece que dessa vez quem manda aqui somos nós.
Um beijo,
Júlia.
ps. escrevo diretamente no meu blog, já que você vai ver mesmo e faz tanto tempo que eu não ordeno palavras em público... e, afinal, se eu te mandar por e-mail não vou ter coragem de postar ("publicar" seria um ultraje?)
Como invejo a sua disponibilidade de escrever para os outros e sua coragem de enviar para todos os seus amigos a mesma notícia. É um modo bonito de ser, o seu, sabe? Claro que deve ter gente que deve te achar um tonto, mas tonta é a bronca metonímica do Big Brother que essa gente "intelectual" tem de toda espécie de exposição de si. Estou cansada desse papo de que tudo "já era": que os autores só sabem narrar em primeira pessoa, que a literatura só sabe ser confessional, que, enfim, "todo mundo só faz tudo errado e que eu, mais um inconformado com a atualidade e dono das teses do correto: eu, eu? bem, o eu... oras! o eu é uma vulgaridade." Pois bem, vamos para a próxima estação: afinal, é possível falar de si sem ser vulgar e sem pretender a imortalidade (?) autoral. Busco meus alívios: preciso saber que é só mais uma escolha temporária. Além do que uma história precisa de um personagem. E também se fala sobre si quando se evita fazê-lo.
Claro, me justifico, porque estou retomando como possível falar sobre mim, perdoem-me os injustos. Tudo isso porque passei, quer dizer, estou saindo de uma fase (podia ser que nem o Mário Bros., né?) de absoluta impotência, mesclada com uma larga paranóia. Não sei ainda como começou, nem sei exatamente como é, mas interpreto com duas palavras terríveis: esgotamento e controle. Falando assim, parece cronograma corporativo: esgotamento de possibilidades de representação e interpretação de mim no presente, para assim, obter controle de mim, quero dizer, do que os outros pensam de mim, quero dizer, do que eu penso que os outros pensam de mim, quero dizer, do que eu sei que eles não pensam sobre mim, quero dizer, eles sabem de tudo, afvee! farta de semi-deuses em mim, cara, farta. E eu bem sei que a paranóia é, na verdade, algo que eu já sei, mas ainda não está completo de sentido, e, por isso, minha pesada cabeça cansada detalha como juízo de outro. Se você soubesse o quanto dialogo sozinha... É terrível, mas não será mais. Tudo eu, cara, tudo eu.: mas você sabe bem como é isso, girar em torno do seu próprio vazio, virar seu próprio estômago: dá um puta tédio só orbitar em você mesmo e sair dessa inércia dá uma preguiça...
Será que você quis me agradar quando citou justamente o poema que o Drummond escreveu "com o pensamento" em Ana C.? Ele, meu tudo. E você se lembra, claro, que meu blog antigo tinha o nome do livro dela. Você lembra também como eu gostava de me detalhar? Quem diria que isso voltaria a ser a minha saída... Ela foi fundamental nos meus últimos anos de Colégio, como uma amiga mesmo, alguém que me dizia tudo o que eu era, tudo o que eu sentia, tudo o que não me diziam. Depois andamos brigadas e ressentidas. Hoje tenho um certo medo do meu inevitável reconhecimento nela: sabe, não quero me suicidar, nunca: gosto de viver, pacas. O "A teus pés" é o único livro com o qual (até hoje, confesso) tenho uma relação de diário: escrevo ao lado dos poemas as datas em que o escrito ali faz mais sentido do que nunca, componho por cima, marco que chorei ou ri. Mas olha só, é tudo mentira, sou uma mulher séria & crítica, tá, não trataria nunca a literatura de maneira tão menininha vulgar! haha
Gostei muito também do que você disse, que sempre foi mais jornalista do que escritor. Eu não sou nem deles, nem daqueles, mas foi ótimo, porque me fez entender melhor você e também os jornalistas. Eu não, não tenho apego nenhum aos fatos dos jornais e tenho a sincera impressão de que eles ontem contaram a mesma notícia de hoje. A impressão aumenta quando as notícias são políticas ou econômicas, é tudo tão sujo! Sei que essas coisas têm um puta impacto em qualquer vida cotidiana, mas parece que eu desinvesti de vez, fazendo jus a mais uma injustiça que diriam da minha (?) geração (?).
Não sei como vai ser para você receber notícias minhas de repente. Eu acharia uma delícia. Estou achando escrevê-las: obrigada. É ótimo, afinal, nós nunca fomos amigos, dá tanta liberdade! Aliás, aquela sua carta, é linda, linda a idéia de que uma carta é necessária porque as coisas precisam ser abandonadas. Além do que... sabe, agora mesmo, estava no Pão de Açúcar comprando batata-palha, nutela, arroz, tomate e coca-cola (estou aprendendo que minha lista de supermercado não precisa ser nem de uma velha séria nem de uma adolescente transgênica) ... e, enfim, fiquei es-pan-ta-da e em pâ-ni-co de como estou parecendo uma pau-lis-ta-na e, pior, de Pinheiros!: meu, a mulherada aqui é articulada com olheiras, orgulhosa pelo uso do cachecol e daquela pele cinza, aquela cara de "ai, eu penso, tá, sofro, tá, licença, tá" e uma expressão que sempre pede desculpas, mas sem perder o ressentimento... Também por essas adoro receber notícias de um amigo em Niterói!
Queria te dizer mais, mas está suficiente e minha amiga que mora no 51 chegou. Mas me escreva, que eu estou voltando a confiar nas palavras. Parece que dessa vez quem manda aqui somos nós.
Um beijo,
Júlia.
ps. escrevo diretamente no meu blog, já que você vai ver mesmo e faz tanto tempo que eu não ordeno palavras em público... e, afinal, se eu te mandar por e-mail não vou ter coragem de postar ("publicar" seria um ultraje?)
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