30.3.05

eu e eu somos um mil-folhas

alguma de nós é bem mais trágica do que eu, vi-va!
...You know I can’t sleep, I can’t stop my brain´
You know it’s three weeks, I’m going insane.
You know I’d give you everything I’ve got
For a little peace of mind...

27.3.05

Um feliz ano-novo cheio de probabilidades

O último dia de férias não é o último dia do tempo.

***
As crianças, para crescerem saudáveis, precisam conhecer o segredo da temível Segunda-Feira, conforme o ensinamento de Orlando, o guru:

"Palas Atena encontrou Dante. O poeta, pressuroso, explicou detalhadamente à deusa a sua comédia. Palas ouviu com atenção, mas confessou que não entendeu direito, e que tudo parecia muito exagerado. O poeta se viu obrigado a recorrer a alguns símiles: o Tártaro, Radamanto, os Campos Elíseos. Palas, já agora em terreno familiar, sorriu e pediu a Dante um favor:

- Ponha a turma da lingüística no último círculo.

25.3.05

-Eu nunca me esqueço... sempre há alguém atrás da foto. É tão bonito.
Aquilo me irritava, sabe? Teoriza mal assim pra lá, tá? Sempre tem alguém ali ou lá, cada antro que eu me meto. Não me estrague as banalidades! Se fosse ainda uma referência irônica ou bonita ou as finas, de preferência. Mas replantar pra recolher e esgotar? Deixe-me, oras. Mas ele não parava, fazia suas generalidades, dizia:
-A Holanda estava fria naquele verão porque a legalização...
Se eu fosse mais livre, perguntava:
-A doceria?
Ou cantarolava
-Yolanda...

24.3.05

tristeza de ver a tarde cair logo no meio do dia que acabou de me começar.

22.3.05

Em princípio

Não foi o fogo a grande descoberta, mas o assopro.

19.3.05

Minha vizinha chamou o guarda florestal

-Como assim? Esse monte de sujeira chama os ratos! Tudo imundo, olha lá. Quanta sujeira... cai daquela árvore ali, e o tamanho dela! tá pra cair, olha lá, é dia desses.
-A árvore está sadia, minha senhora. E é protegida por lei.
- É? E o que a lei faz com isso? Esse monte de ratos e ninguém faz nada! A árvore emporcalha todo o meu chão, suja tudo e agora tá sendo bem em cima das roupas do meu varal!
-Sugiro que a senhora mude seu varal de lugar. Não podemos retirar está árvore daqui.

Enraivescida, a vizinha começou a berrar alucinadamente. Até que o guarda, impassível, concluiu como um pedido de desculpas:

-Mas, minha senhora, esta paineira pertence a União!!

Generosidade

O shuffle foi a maior invenção do século XX.

16.3.05

Pois se percebe primeiro o diferente?

Elas me sustentavam, mesmo. Qualquer um entende como é ser isso. Eu percebi no dia que diferenciei uma imagem em meio a todas as frases soltas ou organizadas em ruídos de sustentação, que me mantinham intacta. Não foi nada que me espantasse vertiginosamente, foi mais a constatação da lacuna, como um outdoor na frente de um jardim, às vezes me deparo com imagens que são menos que uma recordação, como uma estática lasca da memória, gravura. A que pulou, naquela hora, pode ter sido a casinha amarela da minha escolinha ou a vitrine que um dia se ergueu no meu nariz, mas todo o visual ali foi interpretado como uma: imagem. Achei bonito. Não percebi como aquilo era grave, como este texto aqui veio de lá.

Eu achava que elas davam conta. Ainda ajo, na verdade, mas um dia convenço,... meus argumentos, tão bons argumentos. Hoje, elas me envergonham tanto por serem assim, falíveis e impotentes. E tanto mais elas me afligem agora que as sei contestáveis. Conheço-as. Sei que quando você penetra surdamente e elas te dão a chave, tudo o mais é sincero e exato. No fim das contas, elas já sabem de tudo e você também, querida, ao silêncio e avante.
Ah, sim, se eu ao menos conseguisse suportar ficar sozinha, quer dizer, tagarelar sem uma alma pra ouvir (...) (Pausa) Então dá pra dizer que em todas as vezes, mesmo quando você não responde e talvez nem ouve nada, algo disso está sendo ouvido, eu não estou só falando comigo mesma, isto é, no vazio, algo que eu nunca aguentaria fazer - durante tempo nenhum. (Pausa) É isso que me permite continuar, continuar falando desse jeito."

(...)

"E agora? (Pausa) Palavras falham, tem horas que até elas falham. (Virando um pouco para Willie) Não é mesmo, Willie? (Pausa. Virando um pouco mais) Não é verdade, que mesmo as palavras falham às vezes? (Pausa. Volta para frente) O que se deve fazer até que elas voltem? Pentear e escovar os cabelos, se isso ainda não foi feito, ou se há dúvida, aparar as unhas, se elas precisam ser aparadas, essas coisas deixam a gente arrumado. (Pausa) É o que eu quero dizer. (Pausa) É tudo o que eu quero dizer"

(...)

"Eu achava ... (pausa) ... digo, eu achava que eu aprenderia a falar sozinha. (Pausa) Quer dizer, pra mim mesma, pro vazio. (Sorri) Mas não. (Sorri mais) Não não (Para de sorrir) Ergo você está aí (Pausa) Ah sem dúvida você está morto, como os outros, sem dúvida você morreu, ou foi embora e me deixou, não importa, você está aí."
(...)

"(Pausa longa) Eu não posso mais. (Pausa) Não falo mais. (Pausa) Mas eu preciso falar mais. (Pausa) Problema aqui."

Dias felizes - Beckett, o amo.

13.3.05

O ano aquático veio pela janela (ou dos modos de morrer)

Desde tempos imemoriais labaredas dançam. Um verso como "a labareda dançante", me faz pensar em tapetes “Welcome”; mas se alguém te aponta uma labareda e diz que ela dança, ela dança, e oras. Qual ritmo eu não sei. Comparando com algum diferencial qualquer, o twist é uma manifestação recente, o que, é claro, não exclui a possibilidade da labareda dançá-lo. Já que antes de alguma coisa sempre temos que revolver à anterior, vou estar enviando um questionário viável pra vocês: e se o fogo veio antes da música? ou se a música é de antes do fogo? ou se os dois são de juntos? Pensemos nos atabaques em rituais com sangue sangue muito sangue por somente um segundo.

O tradicionalíssimo agrupamento tribal dos óóaai foi recentemente estudado nesta particularidade. Após exaustivo levantamento, os antropólogos responsáveis conseguiram estabelecer uma imagem padrão em seus cânticos: a oposição entre a água e o fogo. Apesar da amostragem, os pesquisadores não conseguiram responder se a música é anterior ou não a antítese estabelecida.

Borges e Sabato são de opinião que melhor seria queimar ariscamente os livros fracassados do que abandoná-los a lenta putrefação da água da lagoa, como fez Güiraldes com seu “El cencerro de cristal”. O que eles não dizem são as palmas para o admirável autor que, visto o que fez com seus livros, entendia pacas de imagens não convencionais.
***

Quem não se lembrará da célebre vizinha louca? Transcrevo J.H., o pai, em carta pública: “Hoje, fazia alguns meses em que tudo estava aparentemente muito tranqüilo. Talvez porque agora a paineira está novamente florida e as flores caem, "sujando" o chão, hoje à tarde, 12 de março, essa senhora molhou o meu telhado com um esguicho. Como o escritório da minha mulher, que também é professora universitária, estava com as janelas abertas, a água molhou livros, papéis, móveis, fotos e objetos, além de inundar o chão. Tivemos sorte, pois o computador não foi atingido nem houve nenhum curto-circuito que pudesse ser causa de incêndio.”

***

Carlos Drummond de Andrade, poeta mineiro do século XX, concedeu-nos em coletiva a seguinte opinião:

“Pois eterno é o amor que une e separa, e eterno o fim
(já começara, antes de ser), e somos eternos,
frágeis, nebulosos, tartamudos, frustrados: eternos.
E o esquecimento ainda é memória, e lagoas de sono
selam em seu negrume o que amamos e fomos um dia,
ou nunca fomos, e contudo arde em nós
à maneira da chama que dorme em paus de lenha jogados no galpão.”

11.3.05

Mind the gap

Agora que já olhei para o lado de lá e para o lado de cá, podemos começar este blog em paz. Ufa.

Não é nada, não. Mas eu sei.

Há a dúvida de realizar meu imediato lirismo que inevitavelmente será pudor depois, ridículo. Ou exercer o rísivel agora mesmo, fazer troça de toda essa impregnação de despojos. Poderia esboçar uma tangente, falando (mal) da imprensa, o presidente na bolha de oxigênio, a penúltima gravação de I can´t get started ou de como leio, mesmo e demais, Cortázar. Desde a criancinha carrego essa bandeira estampada "arrogância, sim; pedantismo, jamais." Como um tango, mesmo sem rosas na boca, você sempre se expõe. Ao mesmo tempo que ninguém me convence mais de me interpelar por "você", tá? E o monólogo? esgotado? Que nada, não enche. Não é porque algo vem entre aspas que o empacotamento é industrial. Tudo aí, bastaria fazer. Ainda paro de espelhar, dia desses, vou ter perdido todo o rancor.

(Vemos todos que ela -nem eu me convenço desse recurso de "distanciamento", mas sabe-se lá a sua ingenuidade- não sabe o porque nem o como.)

Meu retorno? Saudades. Comentaremos (e exaustivamente) no decorrer. Por enquanto estou sem as foices. As paredes agora caem, cada estrondo comovente. Não teço mais meus casulos, nunca serei uma libélula; desejo de tacar fogo pra delinear a labareda. No mais, ainda esqueço onde se acentua "difícil", habitualmente.

10.3.05

Para Eva (primordial) que virou símbolo e nem era carnaval

Recuperação da adolescência

é sempre mais difícil
ancorar um navio no espaço

(ana c.)